Uma grande confusão está sendo gerada em torno da cobrança do Difal do ICMS, depois de muita demora do Congresso Nacional, que levou mais de 9 meses para aprovar uma simples lei complementar de algo que já existia. Neste mês, foi sancionada a Lei Complementar 190/2022, que regulamenta a cobrança do Difal – diferencial de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre vendas de produtos e prestação de serviço ao consumidor final localizado em outro estado.
Mas, como isso aconteceu na virada do exercício fiscal e a alteração ou criação de um tributo exige a observância tanto do princípio de anterioridade anual quanto nonagesimal (90 dias), o Difal poderá ser exigido no próximo exercício financeiro, em 2023.
Não são poucas as dúvidas que esse cenário tem levantado sobre como o imposto vai passar a ser cobrado. Mas uma coisa é certa: haverá impacto social com a falta de recolhimento. Então, vamos entender melhor essas consequências? Como especialista da área tributária, vamos apontar os malefícios do fim desse imposto para empresas e, consequentemente, para a população.
O primeiro é a geração de impacto indireto na economia. Isso porque teremos uma menor receita para os estados, e, assim, alguma despesa ficará descoberta, como educação, saúde e transporte. Sem dúvida, é um fator preocupante neste período de crise que vivemos. Afinal, poderia agravar ainda mais os quadros de desemprego e empobrecimento do povo brasileiro.
E não são só os estados que saem perdendo. Conforme a Constituição, os municípios têm direito a uma cota de 25% do ICMS recolhido. Há uma preocupação dos estados de que a eventual suspensão da cobrança na diferença da alíquota do ICMS criaria uma concorrência de mercado assimétrica, pois traria um regime fiscal privilegiado para os maiores e-commerces, em prejuízo da maioria do comércio que é constituída por lojas físicas e iniciativas locais diversas. As vendas interestaduais teriam uma alíquota de ICMS em média 30% menor do que as vendas dentro do estado.
Além de prejudicar o maior segmento do comércio, a medida pressiona o desemprego, já que, nesses negócios, a geração de vagas é de mais representatividade. Sem falar que esses setores já estavam tentando se recuperar de um período de grandes perdas por causa da pandemia e agora seriam submetidos a um regime fiscal mais oneroso em relação à concorrência com os e-commerces.
Não pagar o tributo pode empobrecer ainda mais a economia e o mercado consumidor, gerando um impacto negativo inclusive nos e-commerces – setor que já acumula desvalorização média no preço da ação na B3 em 2021 na casa dos 70%. Um exemplo é o Fundo de Combate à Pobreza (FCP), um tributo instituído para minimizar a desigualdade social entre os estados, com valor e cobrança conectados ao ICMS, funcionando como uma alíquota adicional no recolhimento desse tributo. Ainda não há um entendimento claro de que à cobrança do FCP também se aplicaria tanto a anterioridade anual quanto nonagesimal (90 dias), pois ele é regulamentado por outra Lei.
O valor recolhido de FCP deve ser utilizado para o incentivo de programas e projetos públicos com foco na nutrição, saúde, educação, habitação, além de ações sociais voltadas a crianças e adolescentes. Ou seja, sem esse recolhimento, o cenário fica ainda pior, pois esse fundo é destinado a ONGs, que apoiam programas de combate à fome, por exemplo.
Já deu para ter uma ideia de quantos impactos negativos a ausência de recolhimento do ICMS Difal pode trazer, não é? Por mais que na opinião da maioria dos juristas possa haver um erro jurídico na cobrança da lei complementar neste ano, a verdade é que não arrecadar o tributo pode trazer mais malefícios do que benefícios para o varejo e a economia como um todo.
Não há segurança jurídica no nosso sistema tributário, mas ele sustenta um estado mínimo precário – e tirar receita desse estado mínimo precário pode gerar um caos ainda maior. O fim do ICMS Difal pode causar o agravamento da crise econômica, com mais fome e desemprego, tornando o cenário atual ainda mais caótico para a maioria dos brasileiros e empreendedores. E o que de fato vai resolver o problema da complexidade tributária no Brasil? A resposta para essa pergunta é o grande anseio do nosso país: uma reforma tributária ampla sobre consumo, renda, patrimônio e salários.
O que é o fundo estadual de combate e erradicação à pobreza?
Parte da responsabilidade do poder público está ligada à promoção de condições dignas de sobrevivência para toda a população, certo? É por esse motivo que existem diversos tributos relacionados diretamente à parcela da população que vive em condições precárias.
O Fundo Estadual de Combate e Erradicação à Pobreza foi criado com base nos seguintes fundamentos:
- Atenção integral para superação da pobreza e redução das desigualdades sociais;
- Acesso de pessoas, famílias e comunidades a oportunidade de desenvolvimento integral;
- Fortalecimento de oportunidades econômicas e de inserção de pessoas na faixa economicamente ativa do setor produtivo;
- Combate aos mecanismos de geração da pobreza e de desigualdades sociais.
Como surgiu o FECP?
A criação do Fundo Estadual de Combate e Erradicação à Pobreza se deu com a Emenda Constitucional n° 31/2000, que inseriu o artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) na Constituição Federal:
Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil.
§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição.
§ 2º Para o financiamento dos Fundos Municipais, poderá ser criado adicional de até meio ponto percentual na alíquota do Imposto sobre serviços ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre serviços supérfluos.
Quais são as alíquotas utilizadas?
As alíquotas do FCP podem variar de acordo com o produto comercializado e a UF de destino. Confira quais são os estados brasileiros que possuem fundo de combate à pobreza e as alíquotas praticadas:
UF | Alíquota | Legislação |
Acre | Alíquota máxima de 2.00% | DECRETO Nº 3.912, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2015 |
Alagoas | 3 alíquotas possíveis com valores fixos em 1.00% e 2.00% | LEI Nº 7742 DE 09/10/2015 |
Amapá | Não possui FCP | |
Amazonas | 3 alíquotas possíveis com valores fixos em 1.60%, 1.90% e 2.00% | LEI N. 4.454, DE 31 DE MARÇO DE 2017 |
Bahia | Alíquota única de 2.00% | Lei Nº 16970 DE 19/08/2016 |
Ceará | Alíquota única de 2.00% | DECRETO N° 31.860, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2015 |
Distrito Federal | Alíquota única de 2.00% | LEI Nº 5569 DE 18/12/2015 |
Espírito Santo | Alíquota única de 2.00% | LEI 10.379, DE 16-6-2015 |
Goiás | Alíquota máxima de 2.00% | ANEXO XIV (Art. 20, § 6º) |
Maranhão | Alíquota única de 2.00% | LEI nº 10.329, de 30.09.2015 |
Mato Grosso | Alíquota única de 2.00% | LEI 10.337, de 16.11.2015 |
Mato Grosso do Sul | Alíquota única de 2.00% | LEI nº 4.751, de 05.11.2015 |
Minas Gerais | Alíquota única de 2.00% | DECRETO N° 46.927, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2015 |
Pará | Não possui FCP | |
Paraíba | Alíquota única de 2.00% | DECRETO Nº 36209 DE 30/09/2015 |
Paraná | Alíquota única de 2.00% | LEI Nº 18573 DE 30/09/2015 |
Pernambuco | Alíquota única de 2.00% | LEI Nº 15599 DE 30/09/2015 |
Piauí | 3 alíquotas possíveis com valores fixos em 1.00% e 2.00% | LEI N° 6.745, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2015 |
Rio de Janeiro | Alíquota máxima de 4.00% | LEI COMPLEMENTAR 61/2015 |
Rio Grande do Norte | Alíquota única de 2.00% | LEI Nº 9991 DE 29/10/2015 |
Rio Grande do Sul | Alíquota única de 2.00% | LEI nº 14.742, de 24.09.2015 |
Rondônia | Alíquota única de 2.00% | LEI COMPLEMENTAR Nº 842 DE 27/11/2015 |
Roraima | Alíquota máxima de 2.00% | Apesar do anexo divulgado pela NFe – Tabela de alíquotas de FCP por UF – dizer que é no máx. 2% para RR, não achamos a Lei Complementar no estado. |
Santa Catarina | Não possui FCP | |
São Paulo | Alíquota única de 2.00% | LEI Nº 16006 DE 24/11/2015 |
Sergipe | Alíquota única de 2.00% | DECRETO Nº 30118 DE 20/11/2015 |
Tocantins | Alíquota única de 2.00% | LEI Nº 3019 DE 30/09/2015 |
Fundo de combate à pobreza (FCP) na NFE 4.0
O valor recolhido a título de Fundo Estadual de Combate e Erradicação à Pobreza deve ser informado corretamente na NFe da operação. Para isso, foram criados novos campos que permitem a inserção da base de cálculo, alíquota e valor total do FCP no layout 4.0 da Nota Fiscal Eletrônica.
- vBCFCP – Base de cálculo do FCP
- pFCP – Percentual do ICMS relativo à FCP
- vFCP – Valor do ICMS relativo ao FCP
- vBCFCPST – Base de cálculo do FCP-ST
- pFCPST – Percentual do FCP retido por substituição tributária
- vFCPST – Valor do FCP retido por substituição tributária
- vBCFCPSTRet – Base de Cálculo do FCP retido anteriormente
- pFCPSTRet – Percentual do FCP retido anteriormente por Substituição Tributária
- vFCPSTRet – Valor do FCP retido anteriormente por Substituição Tributária
Nos casos em que há a Substituição Tributária, deve ser informada a alíquota do cálculo do ICMS-ST, já incluso o FCP caso incida sobre a mercadoria. Em uma situação em que a alíquota da mercadoria na venda ao consumidor final é de 18% e a alíquota do FCP é de 2%, a alíquota informada no campo pST deve ser 20%.
Em operações interestaduais, já existia essa separação, a única novidade é a tag vBCFCPUFDest , que deverá receber o valor de base de cálculo do FCP do estado do destinatário.